Nuances no cálculo de tempos processuais

Conceitos Analises

Uma comparação metodológica entre estudos prospectivos e retrospectivos no cálculo de tempos

Fernando Corrêa true
05-21-2018

Caracterizar a duração de processos judiciais é um problema relevante para o Direito. Em Jurimetria, isso normalmente é feito utilizando Análise de Sobrevivência1, mas os textos desse assunto não costumam mencionar a diferença qualitativa entre as estimativas de duração produzidas por estudos prospectivos e retrospectivos2.

A diferença entre as duas metodologias consiste no fato de estudos retrospecivos observarem processos que terminaram em um determinado período, enquanto estudos prospectivos observam processos distribuídos em um determinado período. Por isso, as populações estudadas em cada uma das propostas são diferentes, e isso impacta a forma com que os resultados devem ser interpretados.

Neste texto, vamos ilustrar o desempenho e as diferenças dos tipos de estudo através de uma simulação. Durações processuais hipotéticas serão geradas considerando dois cenários, e as estatísticas produzidas por cada metodologia serão comparadas.

Metodologia 1 (retrospectiva):
– Analisa todos os processos encerrados entre 01/01/2014 e 01/01/2015.
– O estudo termina em 01/01/2015.

Metodologia 2 (prospectiva):
– Analisa todos os processos distribuídos entre 01/01/2014 e 01/01/2015.
– O estudo termina em 01/01/2015.

O desempenho dessas pesquisas será estudado nos cenários:
Cenário 1:

Cenário 2:

Cálculos

No que segue, vamos comparar as médias de duração estimadas por cada estudo e a verdadeira média dos processos: 77 dias. Como as duas metodologias possuem características diferentes, nesta sessão vamos explicitar cada procedimento de cálculo.

A propriedade dos estudos que causa a divergência nos cálculos é a presença ou ausência de censuras3 nas observações. Em estudos retrospectivos é impossível que haja censuras, pois os processos analisados são apenas aqueles em que já houve o encerramento. Estudos prospectivos, por outro lado, levam em conta processos que ainda não acabaram, mas não levam em conta processos que acabaram há muito tempo.

Para proceder com a derivação das fórmulas de cálculo e garantir a mesma base de comparação, admitimos que nos dois estudos as seguintes suposições foram utilizadas:

– As durações de dois processos distintos são independentes.
– As durações dos processos seguem a distribuição geométrica de probabilidades.
– A probabilidade de distribuição de processos é constante ao longo do tempo.

Considerando essas hipóteses, o tratamento das censuras será feito utilizando procedimentos usuais de Análise de Sobrevivência. Nesse contexto, as fórmulas associadas ao cálculo da média de cada metodologia encontram-se na tabela abaixo. É importante notar que o numerador é composto pela soma de todas as durações. Isso quer dizer que, no caso de estudos prospectivos, o numerador inclui a duração observada em processos que ainda não acabaram.

Resultados

Uma realização da nossa simulação está ilustrada na figura abaixo. As linhas representam o ciclo de vida dos processos sob estudo e as cores representam a presença ou ausência nos planos amostrais que utilizam cada uma das metodologias. As linhas tracejadas delimitam o escopo temporal dos estudos.

É importante notar que a curva que representa a distribuição dos processos no cenário 1 é mais íngreme após agosto de 2014. Isso ocorre porque nesse cenário a taxa de distribuição de processos aumentou de 77% para 1717%. Por conta desse fato, existe uma maior quantidade de processos com baixa duração sendo analisada pelo estudo retrospectivo.

Realizando 1.000 simulações, resumimos o desempenho das metodologias como a média das estimativas para a duração média produzidas em cada cenário.

Conclusão

Nossas simulações forneceram evidências de que a medição de tempos processuais selecionando observações de maneira retrospectiva estima incorretamente a duração média quando há violação da suposição de estabilidade da distribuição dos processos. Isso ocorreu pois estudos retrospectivos medem a duração dos processos que terminam em um determinado período. Por conta disso, no caso de um evento em que o número de distribuições aumenta, o estudo retrospectivo analisou uma quantidade desproporcional de processos com duração pequena.

Também constatamos que estudos prospectivos protegeram-se melhor contra a instabilidade da distribuição de processos. Mesmo havendo flutuações na taxa diária de processos distribuídos, as estimativas ficaram próximas dos valores verdadeiros. Isso correu pois a média da distribuição da duração processual não mudou ao longo do tempo.

Por fim, ressaltamos que os resultados obtidos neste texto não buscam desacreditar estudos retrospectivos. O objetivo da nossa argumentação é chamar a atenção para dois pontos: (i) a importância das suposições na modelagem e (ii) riscos que se corre quando se opta por certos delineamentos de estudo. Toda ferramenta quantitativa é adequada quando as suas hipóteses estão satisfeitas. Em particular, estudos retrospectivos podem ser conduzidos com maior facilidade e eficiência do que estudos prospectivos, e isso é uma grande vantagem. Mas isso não pode nos cegar com relação às suas limitações.


  1. Análise de Sobrevivência é a área da Estatística historicamente associada ao cálculo de tempos de duração de eventos, com uma ampla gama de aplicações.↩︎

  2. Nos estudos de duração de processos existem dois eventos importantes: a data de distribuição e a data de encerramento. A diferença entre estudos retrospectivos e prospectivos é a forma com que escolhem quais processos observar. Estudos restropectivos são aqueles em que os processos são escolhidos pela data de encerramento. Um estudo cujo escopo é “o conjunto de processos terminados no ano de 2015” é retrospectivo, pois filtra os processos apenas pela data de término. Estudos prospectivos são aqueles em que a seleção de processos é feita pela data de distribuição. Um estudo com escopo “processos distribuídos no ano de 2015” é prospectivo.↩︎

  3. Em Jurimetria, censura é o nome dado à duração que é observada antes da ocorrência de um evento de interesse. No nosso exemplo, isso corresponde às durações de processos que ainda não chegaram ao fim.↩︎

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Corrêa (2018, May 21). Associação Brasileira de Jurimetria: Nuances no cálculo de tempos processuais. Retrieved from https://lab.abj.org.br/posts/2018-05-21-nuances-no-clculo-de-tempos-processuais/

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