O presente artigo tem por objetivo abordar a aplicação da perícia prévia e a emenda à petição inicial nos processos de recuperação judicial e seus impactos nas decisões de deferimento do processamento.
O presente artigo tem por objetivo abordar a aplicação da perícia prévia e a emenda à petição inicial nos processos de recuperação judicial e seus impactos nas decisões de deferimento do processamento.
Os dados a serem apresentados neste texto são resultado de pesquisa realizada pelo NEPI/PUC-SP (Núcleo de Estudo e Pesquisa de Insolvência da PUC/SP) e pela ABJ (Associação Brasileira de Jurimetria), os quais foram extraídos do livro “Direito Comercial, Falências e Recuperação de Empresas – Temas” (Marcelo Sacramone 2019), coordenado por Ivo Waisberg, José Horácio H. R. Ribeiro e Marcelo Barbosa Sacramone.
Os dados foram obtidos através de análise empírica de 194 recuperações judiciais distribuídas perante a 1ª e 2ª Varas de falência e recuperação judicial do Foro Central da Comarca de São Paulo1 entre 1.9.2013 e 30.6.2016, cobrindo um período de quase três anos.
Cabe destacar que no momento em que a pesquisa foi realizada, a perícia prévia ainda não possuía previsão na Lei nº 11.101/05 (“LRE”)2, sendo utilizada pelos juízes, de forma excepcional, como um mecanismo de investigação e apuração prévia do preenchimento de requisitos legais, de natureza econômica e jurídica, que o devedor deve atender antes da impetração de sua recuperação judicial, para a apuração efetiva de sua condição financeira, como forma de se garantir a efetividade da recuperação judicial, sua adequada aplicação em benefício da sociedade e da economia nacional, combatendo-se o uso desviado e fraudulento da Justiça3.
Oportuno ressaltar que os dados empíricos obtidos através da pesquisa pela qual este artigo se fundamenta não correspondem à realidade de todas as Comarcas espalhadas pelo Brasil, baseando-se exclusivamente na investigação de 194 processos eletrônicos das duas Varas de Falência e Recuperação Judiciais do Foro Central da Comarca de São Paulo.
Com base nestes dados4, verificou-se que, dos 194 processos analisados, a perícia prévia ocorreu em 30 deles, ou seja, em 15% dos processos analisados. Sendo que, dos 30 processos, em 25 houve emenda à petição inicial e em 5 houve apenas perícia prévia, sem emenda.
Quanto ao deferimento do processamento da recuperação judicial, dos 30 processos em que houve perícia prévia, em 25 deles o processamento foi deferido, representando uma frequência de deferimento de cerca de 80%. Enquanto que, nos processos em que não houve perícia prévia ou emenda à petição inicial foi observada uma frequência de deferimento de 31,6%.
Analisando o tempo de duração da perícia prévia nesses 30 processos, verificou-se que a mediana é de 7 dias, tendência central. Logicamente, há processos em que a realização da perícia prévia levou muito mais tempo, tratando-se, todavia, de casos singulares que, ante a complexidade envolvida, demandaram uma análise também mais profunda e criteriosa sobre os documentos e informações fornecidas pelo devedor. Há processos, por exemplo, que destoam da mediana, levando a perícia prévia o tempo de mais de 10,15, 36 ou 72 dias.
A despeito deste artigo contemplar dados e informações obtidas durante os anos de 2013 e 2016 e, portanto, durante a vigência da Lei nº 11.101/05, aqui vale a ressalva de que como referido diploma não previa um prazo determinado para a realização da perícia prévia, os magistrados detinham a prerrogativa de decidir e conceder o prazo que entendessem necessário para a sua entrega. Todavia, a recém sancionada Lei nº 14.112/2020, passou a regular a perícia prévia na recuperação judicial, permitindo que o juiz conceda o prazo máximo de 5 dias para que o perito apresente laudo de constatação das reais condições de funcionamento do devedor e da regularidade documental5.
Voltando aos dados da pesquisa, no que tange à probabilidade de decisões favoráveis ao processamento da recuperação judicial verifica-se que nos processos em que houve a realização da perícia prévia, a proporção de deferimento do processamento da recuperação judicial foi de aproximadamente 50% maior do que nos processos que não houve perícia prévia ou emenda à inicial.
De outro lado, nos casos em que houve somente a emenda à petição inicial, a proporção de deferimento foi de aproximadamente 30% maior, conforme se verifica na Figura 1:
Pelo gráfico, percebe-se que nos processos sem perícia prévia ou emenda (38 processos em um total de 194), a frequência de indeferimento do processamento da recuperação judicial é de 68,4%, maior índice proporcionalmente à quantidade de processo, se comparado com as outras categorias analisadas.
Outro ponto importante a ser ressaltado é o que dos 194 processos analisados, 151, representando 78% deles, tiveram a petição inicial emendada pelo devedor, trazendo à tona a discussão central deste artigo, que é justamente a necessidade ou não da realização de perícia prévia anteriormente ao processamento da recuperação judicial.
Quanto ao tempo entre a distribuição do pedido de recuperação judicial e a decisão que defere o seu processamento, analisando os 194 processos, obteve-se uma mediana de 4,57 semanas ou seja, aproximadamente 32 dias.
Considerando os processos que não tiveram perícia prévia nem emenda da inicial, percebe-se uma maior celeridade entre a distribuição do pedido de recuperação judicial e o seu processamento – mediana de 8 dias. Já o tempo até a aprovação do plano de recuperação judicial, a mediana é de 347 dias, aproximadamente 11,5 semanas.
Quanto aos processos com emenda à inicial, verificou-se um aumento expressivo do tempo despendido entre a distribuição da recuperação judicial até o processamento que passou a ser de 33 dias, havendo, contudo, redução no tempo entre a distribuição e a aprovação do plano de recuperação judicial. É o que se observa da Tabela 1:
Perícia | Emenda | Tempo até deferimento | Tempo até aprovação | Frequência |
---|---|---|---|---|
Não | Não | 8 dias | 347,5 dias | 38 |
Não | Sim | 33 dias | 324 dias | 25 |
Analisando, agora, tão somente os processos com perícia prévia, sem emenda, no total de 5 processos, obteve-se uma mediana de tempo entre a distribuição do pedido de recuperação judicial e o deferimento do processamento de 26 dias, aproximadamente 4 semanas, resultado inesperado. O tempo entre a distribuição até a aprovação do plano de recuperação judicial é de 291 dias, algo em torno de uma mediana aproximada de 10 meses.
Por outro lado, nos processos com perícia prévia, com emenda da exordial, no total de 25 processos, verificou-se o aumento, em mais do dobro, no tempo entre a distribuição da recuperação judicial e o deferimento – mediana de 58 dias -, aproximadamente 8 semanas. O tempo entre a distribuição até a aprovação do plano não sofreu grandes alterações. Confira-se na Tabela 2:
Perícia | Emenda | Tempo até deferimento | Tempo até aprovação | Frequência |
---|---|---|---|---|
Sim | Não | 26 dias | 291,5 dias | 5 |
Sim | Sim | 58 dias | 295,5 dias | 25 |
Feitas essas considerações, a perícia prévia, se comparada com a mediana de tempo de todos os processos, não retarda demasiadamente o processamento do pedido de recuperação judicial. Enquanto a emeda à inicial “atrasa,” em mediana, 25 dias o deferimento da recuperação judicial, a perícia prévia “atrasa,” também em mediana, 18 dias.
Nos processos com perícia prévia e emenda à inicial, o deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial dura, pela mediana, 50 dias. Apesar de ter o deferimento mais rápido, os processos sem emenda e sem perícia são os que mais demoram para a obtenção da aprovação do plano de recuperação judicial (mediana de 347 dias). Em segundo lugar, vem os processos somente com a emenda à inicial (mediana de 324 dias).
Por sua vez, nos processos com perícia prévia (com ou sem emenda) a aprovação do plano de recuperação judicial se mostrou mais célere.
Pelos dados coletados, portanto, verifica-se que, ao menos nas duas Varas Especializadas objeto da análise, a perícia prévia e a emenda da petição inicial não representam, ao menos em regra. Mas o prazo de 18 dias a mais na mediana para o deferimento da recuperação judicial, embora para muitos possa parecer pouco, talvez seja para determinada empresa recuperanda, que urge pela concessão do stay period, uma forma de inviabilizar a sua reorganização. Diz isso porque, ao pedir a recuperação judicial, sem qualquer pedido liminar, essa notícia soa como um tiro para a largada de uma corrida de credores, muito dos quais irão imediatamente executar as suas garantias e amortizar qualquer crédito que venha a ter com a recuperanda.
Por fim, oportuno destacar que, a despeito de a perícia prévia ter sido instituída na nova LRE, em caráter facultativo, há quem defenda que esse mecanismo, além de trazer risco de parcialidade do profissional nomeado para a realização da perícia prévia, visto que somente receberá honorários caso o pedido de recuperação seja deferido, pode caracterizar mais um entrave ao custoso processo de recuperação judicial, prejudicando a celeridade e efetividade almejada no processo.
Além disso, os que são contra a perícia prévia também destacam a impossibilidade de o magistrado, na decisão de processamento da recuperação judicial, realizar um juízo de cognição exauriente sobre o estado de crise da empresa e a viabilidade econômica da empresa, até porque são os credores os principais interessados na análise econômico-financeira a respeito da atividade da devedora.
Marcelo Sacramone, Jose Horacio Ribeiro, Ivo Waisberg. 2019. Direito Comercial, Falências e Recuperação de Empresas - Temas. Vol. 1. Quartier Latin.
Atualmente no Foro Central da Comarca de São Paulo existem 03 varas de falência e recuperação judicial, sendo que a 3ª Vara de falências e recuperação judicial ainda não havia sido instituída no momento de realização da pesquisa, sendo que sua instituição ocorreu no dia 05.12.2017.↩︎
O instituto da perícia prévia foi incluído na LRE, em seu artigo 51-A, pela Lei nº 14.112/2020, publicada em 24.12.2020 e com vigência a partir de 23.1.2021.↩︎
Extraído de: https://migalhas.uol.com.br/coluna/insolvencia-em-foco/277594/a-pericia-previa-em-recuperacao-judicial-de-empresas---fundamentos-e-aplicacao-pratica%3E%20acessado%20em%203.2.2021 acessado em 3.2.2021, às 16:53.↩︎
Os resultados foram obtidos verificando a mediana dos dados. Mediana é o valor que medeia os valores presentes num conjunto ordenado numericamente. Mediana apresenta o valor central de uma amostra de dados (desprezando os menores e os maiores valores. Disponível em https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/02/04/entenda-como-os-analistas-fazem-projecoes-para-a-economia.htm acessado em 3.2.2021, às 17:17.↩︎
“Art. 51-A. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, poderá o juiz, quando reputar necessário, nomear profissional de sua confiança, com capacidade técnica e idoneidade, para promover a constatação exclusivamente das reais condições de funcionamento da requerente e da regularidade e da completude da documentação apresentada com a petição inicial. § 2º O juiz deverá conceder o prazo máximo de 5 (cinco) dias para que o profissional nomeado apresente laudo de constatação das reais condições de funcionamento do devedor e da regularidade documental.”↩︎
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Braile, et al. (2021, Feb. 1). Associação Brasileira de Jurimetria: Perícia prévia e emenda à petição inicial. Retrieved from https://lab.abj.org.br/posts/2021-02-01-pericia-emenda/
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@misc{braile2021perícia, author = {Braile, Alice and Cloud, Beatriz Nunes and Silva, Alfredo Cabrini Souza e and Arruda, Rafael Vasconcellos de and Bragança, Gabriel José de Orleans e}, title = {Associação Brasileira de Jurimetria: Perícia prévia e emenda à petição inicial}, url = {https://lab.abj.org.br/posts/2021-02-01-pericia-emenda/}, year = {2021} }