O presente artigo tem por objetivo abordar a aplicação da perícia prévia e a emenda à petição inicial nos processos de recuperação judicial e seus impactos nas decisões de deferimento do processamento.
O presente artigo tem por objetivo abordar a aplicação da perícia prévia e a emenda à petição inicial nos processos de recuperação judicial e seus impactos nas decisões de deferimento do processamento.
Os dados a serem apresentados neste texto são resultado de pesquisa realizada pelo NEPI/PUC-SP (Núcleo de Estudo e Pesquisa de Insolvência da PUC/SP) e pela ABJ (Associação Brasileira de Jurimetria), os quais foram extraídos do livro “Direito Comercial, Falências e Recuperação de Empresas – Temas” (Marcelo Sacramone 2019), coordenado por Ivo Waisberg, José Horácio H. R. Ribeiro e Marcelo Barbosa Sacramone.
Os dados foram obtidos através de análise empírica de 194 recuperações judiciais distribuídas perante a 1ª e 2ª Varas de falência e recuperação judicial do Foro Central da Comarca de São Paulo
Cabe destacar que no momento em que a pesquisa foi realizada, a perícia prévia ainda não possuía previsão na Lei nº 11.101/05 (“LRE”)
Oportuno ressaltar que os dados empíricos obtidos através da pesquisa pela qual este artigo se fundamenta não correspondem à realidade de todas as Comarcas espalhadas pelo Brasil, baseando-se exclusivamente na investigação de 194 processos eletrônicos das duas Varas de Falência e Recuperação Judiciais do Foro Central da Comarca de São Paulo.
Com base nestes dados
Quanto ao deferimento do processamento da recuperação judicial, dos 30 processos em que houve perícia prévia, em 25 deles o processamento foi deferido, representando uma frequência de deferimento de cerca de 80%. Enquanto que, nos processos em que não houve perícia prévia ou emenda à petição inicial foi observada uma frequência de deferimento de 31,6%.
Analisando o tempo de duração da perícia prévia nesses 30 processos, verificou-se que a mediana é de 7 dias, tendência central. Logicamente, há processos em que a realização da perícia prévia levou muito mais tempo, tratando-se, todavia, de casos singulares que, ante a complexidade envolvida, demandaram uma análise também mais profunda e criteriosa sobre os documentos e informações fornecidas pelo devedor. Há processos, por exemplo, que destoam da mediana, levando a perícia prévia o tempo de mais de 10,15, 36 ou 72 dias.
A despeito deste artigo contemplar dados e informações obtidas durante os anos de 2013 e 2016 e, portanto, durante a vigência da Lei nº 11.101/05, aqui vale a ressalva de que como referido diploma não previa um prazo determinado para a realização da perícia prévia, os magistrados detinham a prerrogativa de decidir e conceder o prazo que entendessem necessário para a sua entrega. Todavia, a recém sancionada Lei nº 14.112/2020, passou a regular a perícia prévia na recuperação judicial, permitindo que o juiz conceda o prazo máximo de 5 dias para que o perito apresente laudo de constatação das reais condições de funcionamento do devedor e da regularidade documental
Voltando aos dados da pesquisa, no que tange à probabilidade de decisões favoráveis ao processamento da recuperação judicial verifica-se que nos processos em que houve a realização da perícia prévia, a proporção de deferimento do processamento da recuperação judicial foi de aproximadamente 50% maior do que nos processos que não houve perícia prévia ou emenda à inicial.
De outro lado, nos casos em que houve somente a emenda à petição inicial, a proporção de deferimento foi de aproximadamente 30% maior, conforme se verifica na Figura 1:
Figure 1: Quantidade de RJs deferidas e indeferidas para cada combinação de perícia prévia e emenda à inicial.
Pelo gráfico, percebe-se que nos processos sem perícia prévia ou emenda (38 processos em um total de 194), a frequência de indeferimento do processamento da recuperação judicial é de 68,4%, maior índice proporcionalmente à quantidade de processo, se comparado com as outras categorias analisadas.
Outro ponto importante a ser ressaltado é o que dos 194 processos analisados, 151, representando 78% deles, tiveram a petição inicial emendada pelo devedor, trazendo à tona a discussão central deste artigo, que é justamente a necessidade ou não da realização de perícia prévia anteriormente ao processamento da recuperação judicial.
Quanto ao tempo entre a distribuição do pedido de recuperação judicial e a decisão que defere o seu processamento, analisando os 194 processos, obteve-se uma mediana de 4,57 semanas ou seja, aproximadamente 32 dias.
Considerando os processos que não tiveram perícia prévia nem emenda da inicial, percebe-se uma maior celeridade entre a distribuição do pedido de recuperação judicial e o seu processamento – mediana de 8 dias. Já o tempo até a aprovação do plano de recuperação judicial, a mediana é de 347 dias, aproximadamente 11,5 semanas.
Quanto aos processos com emenda à inicial, verificou-se um aumento expressivo do tempo despendido entre a distribuição da recuperação judicial até o processamento que passou a ser de 33 dias, havendo, contudo, redução no tempo entre a distribuição e a aprovação do plano de recuperação judicial. É o que se observa da Tabela 1:
Perícia | Emenda | Tempo até deferimento | Tempo até aprovação | Frequência |
---|---|---|---|---|
Não | Não | 8 dias | 347,5 dias | 38 |
Não | Sim | 33 dias | 324 dias | 25 |
Analisando, agora, tão somente os processos com perícia prévia, sem emenda, no total de 5 processos, obteve-se uma mediana de tempo entre a distribuição do pedido de recuperação judicial e o deferimento do processamento de 26 dias, aproximadamente 4 semanas, resultado inesperado. O tempo entre a distribuição até a aprovação do plano de recuperação judicial é de 291 dias, algo em torno de uma mediana aproximada de 10 meses.
Por outro lado, nos processos com perícia prévia, com emenda da exordial, no total de 25 processos, verificou-se o aumento, em mais do dobro, no tempo entre a distribuição da recuperação judicial e o deferimento – mediana de 58 dias -, aproximadamente 8 semanas. O tempo entre a distribuição até a aprovação do plano não sofreu grandes alterações. Confira-se na Tabela 2:
Perícia | Emenda | Tempo até deferimento | Tempo até aprovação | Frequência |
---|---|---|---|---|
Sim | Não | 26 dias | 291,5 dias | 5 |
Sim | Sim | 58 dias | 295,5 dias | 25 |
Feitas essas considerações, a perícia prévia, se comparada com a mediana de tempo de todos os processos, não retarda demasiadamente o processamento do pedido de recuperação judicial. Enquanto a emeda à inicial “atrasa,” em mediana, 25 dias o deferimento da recuperação judicial, a perícia prévia “atrasa,” também em mediana, 18 dias.
Nos processos com perícia prévia e emenda à inicial, o deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial dura, pela mediana, 50 dias. Apesar de ter o deferimento mais rápido, os processos sem emenda e sem perícia são os que mais demoram para a obtenção da aprovação do plano de recuperação judicial (mediana de 347 dias). Em segundo lugar, vem os processos somente com a emenda à inicial (mediana de 324 dias).
Por sua vez, nos processos com perícia prévia (com ou sem emenda) a aprovação do plano de recuperação judicial se mostrou mais célere.
Pelos dados coletados, portanto, verifica-se que, ao menos nas duas Varas Especializadas objeto da análise, a perícia prévia e a emenda da petição inicial não representam, ao menos em regra. Mas o prazo de 18 dias a mais na mediana para o deferimento da recuperação judicial, embora para muitos possa parecer pouco, talvez seja para determinada empresa recuperanda, que urge pela concessão do stay period, uma forma de inviabilizar a sua reorganização. Diz isso porque, ao pedir a recuperação judicial, sem qualquer pedido liminar, essa notícia soa como um tiro para a largada de uma corrida de credores, muito dos quais irão imediatamente executar as suas garantias e amortizar qualquer crédito que venha a ter com a recuperanda.
Por fim, oportuno destacar que, a despeito de a perícia prévia ter sido instituída na nova LRE, em caráter facultativo, há quem defenda que esse mecanismo, além de trazer risco de parcialidade do profissional nomeado para a realização da perícia prévia, visto que somente receberá honorários caso o pedido de recuperação seja deferido, pode caracterizar mais um entrave ao custoso processo de recuperação judicial, prejudicando a celeridade e efetividade almejada no processo.
Além disso, os que são contra a perícia prévia também destacam a impossibilidade de o magistrado, na decisão de processamento da recuperação judicial, realizar um juízo de cognição exauriente sobre o estado de crise da empresa e a viabilidade econômica da empresa, até porque são os credores os principais interessados na análise econômico-financeira a respeito da atividade da devedora.
Marcelo Sacramone, Jose Horacio Ribeiro, Ivo Waisberg. 2019. Direito Comercial, Falências e Recuperação de Empresas - Temas. Vol. 1. Quartier Latin.
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Braile, et al. (2021, Feb. 1). Associação Brasileira de Jurimetria: Perícia prévia e emenda à petição inicial. Retrieved from https://lab.abj.org.br/posts/2021-02-01-pericia-emenda/
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@misc{braile2021perícia, author = {Braile, Alice and Cloud, Beatriz Nunes and Silva, Alfredo Cabrini Souza e and Arruda, Rafael Vasconcellos de and Bragança, Gabriel José de Orleans e}, title = {Associação Brasileira de Jurimetria: Perícia prévia e emenda à petição inicial}, url = {https://lab.abj.org.br/posts/2021-02-01-pericia-emenda/}, year = {2021} }