A recuperação judicial alcança o objetivo de permitir a manutenção do emprego dos trabalhadores? O que diz a realidade empírica?
O ambiente de negócios e o desenvolvimento econômico de um país sofre grande influência pelos resultados que a regulação da insolvência entrega na realidade prática. No Brasil, a lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e falência da sociedade empresária e do empresário,
Os números evidenciam essa constatação. Foram 7.365 pedidos de recuperação judicial entre 2015 a 2019, ultrapassando-se assim, os 5.062 pedidos formulados ao longo dos dez anos anteriores à vigência da lei (2005 a 2014).
A Lei 11.101/2005 sofreu recentemente alterações e incrementos com a edição da lei 14.112/2020. Contudo, o seu artigo 47 que define como um dos objetivos da recuperação judicial a manutenção dos empregos restou intacto.
Preservado que foi o referido objetivo de manter os empregados dos trabalhadores através do instrumento processual da ação de recuperação judicial, seria coerente dizer que a não alteração do referido dispositivo significaria dizer que o legislador estaria satisfeito com os resultados obtidos na realidade empírica. Será?
O método científico da observação, do teste, da reunião e da manipulação de dados permite um exame da realidade de determinado fenômeno. Isso acontece por intermédio de evidências que confirmem ou refutem uma teoria, ainda que haja discordância sobre o valor dos resultados específicos encontrados.
A preocupação em revelar os dados da realidade empírica
A econometria e as teorias econométricas, das quais a Jurimetria
O que vamos tratar brevemente nessa passagem é de um conhecimento por aproximação,
É só observar o que acontece com o exame de DNA (com 99,9% de “certeza”) tão utilizado pelos Tribunais para resolver as lides de reconhecimento de paternidade. Verifica-se também na engenharia para construções de edifícios e pontes que até então eram inimagináveis. De igual modo, o conhecimento por aproximação subsidia estudos econômico-financeiros para fins de concessão de empréstimo para a casa própria de muitas famílias. O que falar, então, dos cálculos atuariais dos contratos de seguro e plano de saúde, sem os quais a qualidade de vida, tal como tida atualmente, estaria severamente comprometida.
Portanto, empregando a metodologia empírica ao Direito, é necessário ir a campo para buscar evidencias para responder se a ação de recuperação judicial alcança o objetivo de permitir a manutenção dos empregos dos trabalhadores na realidade empírica. É isso que se passa a expor através da metodologia estatística.
A busca
Nessa amostragem
Através da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011)
Em 4.9.2020, a resposta encaminhada pelo Ministério da Economia contemplava uma planilha Excel contendo as informações prestadas pelas empresas através da RAIS – Relatório Anual de Informações Sociais. O documento contempla o total de vínculos empregatícios entre 2009 e 2018, haja vista que ainda não havia sido consolidada a RAIS de competência 2019.
A análise dos dados disponibilizados evidenciou que 122 (cento e vinte e dois) CNPJs possuíam a informação de vínculos empregatícios ao menos em algum ano, entre 2009 e 2018. Já 26 (vinte e seis) CNPJs não possuíam qualquer informação de vínculos empregatícios entre 2009 e 2018.
De posse dos CNPJs que efetivamente possuíam informação na RAIS declarada ao governo, elaborou-se as seguintes análises de estatística descritiva com base na técnica de alinhamento de eixos,
A mediana
Se observado o ano da distribuição do processo, também se observará que a mediana dos resultados obtidos indica a redução dos vínculos empregatícios no curso do processo de recuperação judicial e, posteriormente, indica a tendência de subida com a obtenção da sentença, conforme Gráfico 2 a seguir:
A mediana padronizada pelo máximo de cada empresa colabora para esclarecer o que ocorreu com a quantidade de vínculos empregatícios formais informados anualmente pelas recuperandas através da RAIS. Reforça a conclusão de uma tendência de queda seguida por uma tendência de crescimento não uniforme, conforme Gráfico 3 a seguir:
O valor da mediana se mostra mais próximo de identificar uma tendência da realidade na medida em que ela é menos suscetível de ser influenciada por casos extremos, como pode vir a ocorrer na média aritmética. Marcelo Guedes Nunes exemplifica: “Quando digo que a média entre dois números é igual a 50, esses dois números podem ser 49 e 51, resultados muitos próximos, ou podem ser 1 e 99, resultados mais distantes”.
A despeito da evidência da tendência de crescimento dos vínculos empregatícios após a ocorrência da sentença da recuperação judicial, o que reforçaria a conclusão sobre a concretização do programa normativo da manutenção dos empregos dos trabalhadores, relevante se faz destacar que somente 45 (quarenta e cinco) CNPJs possuíam informação de dados de vínculos empregatícios em todos os anos compreendidos entre 2009 e 2018.
Esse dado da realidade permite afirmar que tão somente 30% das “empresas” (leia-se CNPJs) que chegaram ao final de uma recuperação judicial com extinção por sentença de cumprimento do plano permaneceram informando a quantidade de vínculos empregatícios anuais ao governo.
Caso recortada a análise apenas para esses casos que forneceram os dados anuais por todo o período, também se verifica a tendência crescimento após a sentença, como demonstrado nos Gráficos 4 e 5 a seguir:
A mediana padronizada pelo dado máximo de cada empresa deixa o cenário mais evidente de recuperação dos vínculos de empregos formais após o processo de recuperação judicial. A análise dos Gráficos 5 e 7 a seguir indica a menor quantidade de dados de vínculos empregatícios formais entre a distribuição da ação e a obtenção da sentença:
A realidade empírica revela que o instrumento da ação de recuperação judicial é capaz de permitir a manutenção e até mesmo o soerguimento dos empregos dos trabalhadores. O cenário é o da hipótese de que o objetivo do art. 47 da lei foi alcançado na amostragem da pesquisa no que se refere a manutenção dos empregos dos trabalhadores.
Todavia, cabe a advertência de que isso se verificou de maneira estatisticamente inferior ao pretendido pelo programa normativo da legislação, considerando a amostragem das empresas que chegaram ao fim do processo com a sentença extintiva.
Envolver os dados extralinguísticos do âmbito da norma é essencial para conhecer a realidade empírica e assim permitir a concretização do direito. O direito em movimento impõe que o Estado, na perspectiva a longo prazo, acompanhe a realidade empírica para subsidiar de meios e ferramentas a legislação recuperacional para permitir com que o Estado-Juiz e, sobretudo, a sociedade acompanhe com números a eficiência da manutenção dos empregos em uma sociedade empresária em recuperação judicial, o que poderia ser feito quando da introdução da lei 14.112/2020 caso fosse utilizado o parâmetro da RAIS para acompanhar os vínculos formais constituídos pela sociedade que pede os benefícios da legislação de recuperação judicial.
Tadeu A. Sena Gomes é associado da ABJ e escreveu para o Lab ABJ a convite da associação.
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Gomes (2021, March 12). Associação Brasileira de Jurimetria: Recuperação judicial e manutenção de empregos. Retrieved from https://lab.abj.org.br/posts/2021-03-09-recuperao-judicial-e-manuteno-de-empregos/
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