Juízes mais rigorosos ou mais lenientes ao decidir a condenação de um réu podem ser utilizados para estimar efeitos causais das suas decisões.
Economia do Crime é um campo das Ciências Econômicas que está intimamente ligado à Jurimetria. Pesquisadores de Economia do Crime estudam questões ligadas ao comportamento de criminosos, vítimas, policiais, promotores, juízes e réus. Recentemente, uma ativa área de pesquisa tem se esforçado em responder perguntas ligadas aos efeitos de uma decisão judicial (condenação ou abertura de um processo penal) sobre o comportamento dos réus e de seus familiares.
Esse texto fará um breve resumo de quatro artigos nessa área.
Imagine-se que, como Bhuller, Dahl, Løken e Mogstad (2020), o pesquisador deseja entender o efeito do encarceramento sobre a probabilidade de o réu cometer um novo crime em até dois anos após a decisão judicial. Ele coleta todos os processos penais de uma determinada localidade (Noruega ou São Paulo, por exemplo) e mede quais réus foram condenados ao encarceramento e quais réus não foram condenados a esse tipo de pena. Ele também observa quais réus são processados por um outro crime em até dois anos após a decisão judicial inicial.
Inicialmente, o pesquisador faz uma diferença simples de médias. Ele compara a proporção de encarcerados que reincidiram criminalmente contra a proporção de réus não- encarcerados que reincidiram. Imagine-se que ele encontra que o primeiro grupo tem uma maior probabilidade de reincidência.
Esse pesquisador pode concluir que encarceramento causa comportamento criminoso futuro? Esta conclusão seria precipitada se baseada unicamente nessa análise simples de médias.
Juízes levam em consideração uma multitude de fatores no momento de decidir a pena de um réu condenado, incluindo a conduta social e a personalidade do agente (por exemplo, Artigo 59 do Código Penal Brasileiro). Essa multiplicidade de fatores na decisão judicial pode fazer com que o grupo encarcerado seja de maior risco mesmo na ausência de encarceramento. Em outras palavras, o grupo encarcerado cometeria mais crimes no futuro independentemente de serem encarcerados ou não pela decisão judicial. Isso faz com que o grupo de réus não-encarcerados não seja um bom grupo de comparação para o grupo de réus encarcerados, levando a resultados sobre-estimados para o efeito do encarceramento sobre reincidência criminal.
Mas como o pesquisador pode corrigir esse problema e estimar o verdadeiro efeito de encarceramento sobre reincidência criminal?
No Brasil e em vários países, existem duas características do sistema judicial que podem ser exploradas pelo pesquisador para responder a essa pergunta. Primeiro, dentro de um mesmo foro, muitos processos são alocados aleatoriamente para os juízes que trabalham naquele foro. (No Brasil, esses são os casos de distribuição livre.) Segundo, juízes diferentes possuem diferente graus de leniência. Em outras palavras, alguns juízes encarceram uma grande proporção dos casos que analisam (baixa leniência) e outros juízes encarceram uma baixa proporção dos casos que analisam (alta leniência).
O pesquisador pode explorar a alocação aleatória de juízes pouco lenientes e muito lenientes dentro de um mesmo foro para estimar o efeito do encarceramento sobre reincidência criminal futura. Ao alocar um réu para um juiz pouco leniente em vez de um juiz muito leniente, o sistema de distribuição livre induz uma mudança na probabilidade de encarceramento que é independente das características do réu, incluindo seu potencial para reincidência criminal futura. Com isso, o pesquisador pode utilizar a porção do encarceramento cuja variação é explicada pela leniência do juiz e comparar réus que são, na média, similares (afinal, a alocação de juízes é aleatória). Todavia, alguns desses réus similares foram encarcerados por terem encontrado juízes mais rígidos. Essa comparação permite estimar o efeito do encarceramento sobre reincidência criminal. Essa técnica estatística é conhecida como variáveis instrumentais.
Os quatro artigos mencionados acima utilizam essa técnica estatística para responder a suas perguntas sobre os efeitos de decisões judiciais sobre o comportamento dos réus e de seus familiares. Abaixo, encontram-se breves resumos dos contextos e dos resultados encontrados por esses autores.
Bhuller, Dahl, Løken e Mogstad (2020) analisam o efeito do encarceramento sobre reincidência criminal e empregabilidade dos réus na Noruega. Na sua amostra, eles observam os processos penais entre 2005 e 2009 nos quais o réu não confessou o crime. Esse tipo de processo representa 26% de todos os processos penais na Noruega e metade deles levam ao encarceramento do réu. Considerando apenas o grupo de réus encarcerados, o tempo médio de encarceramento é de aproximadamente 6 meses.
Os autores encontram que o encarceramento levou a uma redução de 29 pontos percentuais (p.p.) na probabilidade de reincidência criminal em até cinco anos após a decisão judicial.
Os resultados sobre empregabilidade dos réus são mais complexos. Caso o réu tenha tido um emprego nos cinco anos antes da decisão judicial, o encarceramento reduz em 29 p.p. a probabilidade de o réu ter um emprego cincos anos após a decisão judicial. Caso o réu não tenha tido um emprego, o encarceramento aumenta em 36 p.p. a probabilidade de o réu ter um emprego. Os autores argumentam que o efeito positivo para esse segundo grupo se deve a um maior acesso a programas de treinamento profissional durante o encarceramento.
Arteaga (2023) analisa o efeito do encarceramento de um dos pais sobre a escolaridade dos filhos do réu ou da ré. Ela observa todos os processos penais que levaram a uma condenação na Colômbia entre 2005 e 2016. Dentre todos esses processos, ela foca naqueles cujo réu tem, pelo menos, uma criança. Dada a forma como a base de dados foi construída, ela estima o efeito do encarceramento de um dos pais sobre escolaridade dos filhos em comparação a uma condenação judicial que levou a uma pena de multa.
Arteaga (2023) encontra que o encarceramento de um dos pais leva a um aumento de 0.78 ano de escolaridade para os filhos do réu. Considerando que a média de escolaridade dos filhos dos réus não encarcerados é de 7.7 anos, esse efeito representa um aumento de quase 10% na escolaridade média das crianças.
Agan, Doleac e Harvey (2023) estão interessadas na decisão de um promotor iniciar ou não um processo penal contra um indivíduo acusado de cometer um crime de baixo potencial ofensivo. Elas focam no efeito da decisão de não continuar com o processo penal sobre a reincidência criminal do acusado durante os dois anos seguintes. Para responder a essa pergunta, elas coletam dados do Condado Suffolk em Massachusetts nos EUA entre 2000 e 2020, incluindo a cidade de Boston.
Agan, Doleac e Harvey (2023) encontram que não processar o acusado por um crime de baixo potencial ofensivo reduz a probabilidade de reincidência criminal nos dois anos seguintes. O efeito estimado é um decréscimo de 53 p.p. Elas encontram que essa redução é ainda maior para acusados sem um processo penal anterior, sugerindo que a criação de um antecedente criminal é um importante mecanismo por trás do efeito da decisão do promotor de não continuar com o processo penal.
Possebom (2023) está interessado no efeito de uma punição penal contra acusados de cometer um crime de baixo potencial ofensivo. Essa punição penal pode ser uma multa ou trabalho comunitário e pode ser imposta via uma condenação judicial ou uma transação penal. Ele foca no efeito dessa punição penal sobre a reincidência criminal do acusado em até dois anos após a decisão judicial. Para responder a essa pergunta, o autor e a ABJ coletaram todos os processos penais do estado de São Paulo entre 2010 e 2017.
Possebom (2023) encontra que o efeito de uma punição penal sobre reincidência criminal em até dois anos é pequeno e estatisticamente não significante. Em outras palavras, não é possível rejeitar a hipótese de que punições penais em São Paulo nem aumentam nem diminuem a reincidência criminal futura dos réus acusados de crimes de baixo potencial ofensivo.
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Possebom (2023, Dec. 14). Associação Brasileira de Jurimetria: Efeitos Causais de Decisões Judiciais. Retrieved from https://lab.abj.org.br/posts/efeitos-causais-decisoes-judiciais/
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